SOLUÇÕES DO TEMPO DO KICHUTE.

O convívio mais estreito requer antigas soluções, na rotina da família.


Eu fui criado igual bezerro, ao pé dos meus pais. A família toda, sempre juntos, já que morar e trabalhar partilhava espaços contíguos. Só fui atinar para isso agora com a obrigatoriedade de a família passar os dias em casa, fruto do tal distanciamento social. Depois de semanas e semanas nessa rotina, situações imprevistas passam a ocorrer. Sinto-me um pouco ameaçado no cultural papel de ser o homem do lar. Tudo aquilo que a minha formação e a sociedade me disseram que eu deveria de ser, ficou difícil. Troco uma mensagem, um bate-papo virtual com os amigos e vejo que essa situação não é exclusividade do meu lar.

O maior sonho seria estar o dia todo curtindo a família. Afinal são as pessoas que amamos. Daríamos nossas vidas por eles. No antigo corre-corre cotidiano, apesar dos sentimentos mais sublimes, não tínhamos tempo, energia, espaço, para prestar muita atenção em cada um dos nossos amados familiares. Cada um vai levando sua vida e partilhamos alguns momentos. Mas estamos sempre tão carregados, tão preocupados. O corpo está ali, a cabeça não chegou ainda do trabalho, da escola, da reunião, do saldo da conta bancária, do escritório do advogado, do imposto de renda. Os amamos, mas nem conseguimos um olhar mais demorado em cada um deles. Até o dia do susto. As crianças cresceram, a patroa tem uma ruguinha, um fio branco. O tempo cobra sua tarifa.

Poderia começar puxando qualquer ponta desse novelo, mas acho que vou desenrolar com a questão de que não sei responder nem mesmo o que duas pirralhas de um punhadinho de anos questionam. Perguntas simples, lógicas, mas eu preciso ser um adivinho para ter as respostas. Vou saber quando isso acaba? Não ter o que dizer aos filhos, isso já é uma exaustão. As semanas epidemiológicas vão passando e vamos mergulhando ainda mais nessa relação intramuros. Com a proximidade física, nos expomos e nos lemos mais intensamente do ponto de vista emocional. Nos conhecemos melhor. Surge uma rusga, uma briguinha, uma pequena ofensa, um desentendimento. E o pai, normalmente mais distante dessas coisinhas do dia a dia, estou imerso no mesmo caldo. A ideia das pessoas perfeitas desmorona. A ideia da família perfeita desaba. A rotina foi alterada. Antes sabíamos como reagir, o que dizer, quando expor. Agora misturou tudo. Ficou mais intenso.

Mas eu dizia que tomei consciência da proximidade física com meus pais e irmãos. Naquelas antiguidades em que eu passava os dias nas calças curtas e no kichute, desenvolvemos modos de nos relacionar. De forma que acredito que posso utilizar algumas soluções de então nesses dias de “fique em casa”. Vou testar isso e depois conto para você. Mas deixo a sugestão, veja se você não tem um arsenal de soluções guardado. É só abrir as emperradas gavetas da memória e assoprar o pó.    

Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima, UEL FM.

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