Calar o corpo requer uma ação sobre a própria alma.
QUIETO SILÊNCIO.
Pandemia, esse tormento; o maior medo que me dá nem é o de adoecer. Tenho pânico é do quieto que essa peste impõe.
Primeiro, silencia o sabor do mundo. Você põe o de comer na boca e cadê o gostoso de cada alimento? No continuar, a febre; silencia a vontade. A elevada temperatura é, mesmo, ausência de querer. Um tremer entre o colchão e a coberta; quietude e suor.
O hospital, com seus ruídos, acolhe o paciente nos alvos lençóis, barulhento. Passos, gemer de macas, bate portas, bip-bip, muito bipes das máquinas. Obrigam silêncio ao doente, precisa ficar atento ao chiado dos equipamentos, sinais de que vive.
Se os asfixiados pulmões já não dão conta de produzir voz, a UTI, ainda enfia um tubo na goela do sufocado. Garantia de silêncios. Paciente não reclama, espera, contando as ave-marias nos dedos; não fosse o sedativo, a induzir o coma.
O sono artificial aquieta não só a emudecida garganta, os inertes membros. Mais ainda: os ouvidos, os olhares. Somente o vírus, a esconder-se da captura dos medicamentos, passeiam entre o martelo e a bigorna, protegidos pelo vibrante manto do tímpano.
O desenrolar cala familiares, amigos. Cresce a doença, mingua a resistência. Fins de guerra, últimas batalhas, são mudas. Cada qual enrodilhado na trincheira dos seus pensamentos.
O corpo é todo, agora, um silêncio. Um túmulo! A alma debatendo-se nele, busca um orifício por onde abandonar a carne; e retornar a algum lugar: nenhures?
Áudio: Trabalhos técnicos de Elias Vergenes, UEL FM.