Ao longo do tempo nosso viver vai compondo uma biografia, impressa na pele de cada um.
UMA BIOGRAFIA TATUADA
A trajetória da pessoa vai compondo uma biografia impressa na pele de cada um, ao longo do tempo.
A vida pode ser lida em uma inusitada biografia: sua pele. Nela ficam registrados os momentos da sua vida.
Um vinco profundo no canto da boca, resultado da perda do grande amor. Uma tatuagem feita quando o filho nasceu. Ou o enrugado do colo pelos milhares de cigarros que foram queimados ao longo dos anos, corando de amarelo as extremidades dos dedos.
Dizem que no cantinho dos olhos ficam pendurados nossos pecados. Mas ali ficam também os sulcos por onde navegaram nossas preocupações, no formato de um empilhado de rugas.
Até mesmo a vacina que recebemos na infância estará escrita numa cicatriz circular no braço, testemunha da dedicação dos pais que nos levaram ao posto de saúde no dia aprazado.
Na face esquerda, além do serpentear de todas as mentiras que proferimos, estarão aquelas três suaves depressões da catapora; aquela linha resultante da ferida pela queda da árvore.
O rosto estampa a incontestável marca da dolorida viuvez, ou daquela traição; esquecível, mas nunca perdoada e, portanto, ali anotada na frieza da pele.
Este mesmo couro prova a labuta diária nos calos e nas manchas escuras provocada pelo sol de cada dia, produtor de uma enxurrada de suor a percorrer os dias inscritos na sinuosidade da derme.
Cada camada de creme, de pintura, de enfeite, de hidratante foi se acumulando nessa cútis, registro biográfico de cada instante, de cada cuidado, de todas as alegrias e dores.
É por um furo neste revestimento humano que expelimos o último suspiro, quando não há mais espaço para anotar, não há mais vazios a preencher; quando se exauriu a necessária tinta dos sentimentos para manter o escrito de uma vida.
Então, cerrados os olhos, deixamos esta obra finalizada, pronta para ser devolvida à natureza.
Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – UEL FM.
