A LÍNGUA DA VELHA.

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Ouvidos quietos dão origem a bocas pobres. Ouvir histórias movimenta a criatividade.


A LÍNGUA DA VELHA.

Eu apreciava muito as histórias do Carlos. Usei o verbo no passado porque ele não conta mais nada. Nem um causo, nem uma anedota.

Isso passou a acontecer desde que sua mãe morreu, a Velha. Nem sei o nome dela. Só a conhecíamos por a Velha.

Acontece que o Carlos aprendeu a contar histórias com a Velha, sua mãe. É o caso de uma mulher analfabeta que foi professora de contação de histórias. Pelo menos para o Carlos.

O que passava era que você perguntava para a Velha se ela já havia almoçado. Daí ela começava com o palavrório: “acordei bem cedo, porque o vizinho ficou fazendo barulho com o carro. É que ele comprou uma lata velha do primo dele, mas acho que tem algum defeito. Demora para pegar. Também, vai pagar em vinte vezes. Queria o quê?”

Até chegar na resposta do almoço ela já tinha lavado a roupa, que ao pendurar no varal, quebrou a cordinha e foi preciso chamar o porteiro pro conserto, e por aí vai.

Ou seja, a simples pergunta, “você já almoçou?” virava um romance; no mínimo uma crônica.

Tudo bem que você nunca sabia quem fossem os personagens. Era um tal de aquele um, aquele outro, o bocó. Ninguém tinha nome; igual a ela, a Velha.

Mas tinha uma vantagem, ela nunca perguntava o que você achou, se aprovava ou não. Simplesmente falava, falava e contava. Assim, enquanto ela desfiava a ladainha, você poderia levar o seu pensamento para onde quisesse, sem o risco de ser pego no devaneio. Isso era bem cômodo.

A Velha podia passar mais de hora no mesmo assunto, porém sem chegar a final algum. Pois deixava um gancho estratégico pro próximo episódio.

Então o Carlos, de tanto ouvir, pegou a manha de contar suas histórias, sempre engraçadas.

A parte cômica nunca era verdadeira, ou acontecida mesmo. Sempre um a mais que ele acrescentava a algo que tinha ocorrido de verdade. Era uma narrativa fabulosa. Mas todos gostávamos.

Agora, com a Velha morta e enterrada, acabaram-se as anedotas. O contador está sempre quieto e responde por monossílabos. Não que esteja triste ou algo assim, simplesmente está quieto.

A teoria que me resta é a de que o Carlos se alimentava da verborragia da Velha. Sem a mãe a soprar-lhe os ouvidos, sossegou a língua.

Isso nos ensina que nossa inspiração pode vir de onde nem percebemos, mas está ali, bem ao lado.

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Áudio: Trabalhos técnicos de Ricardo Lima – Rádio UEL.

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