AS SABEDORIAS DO BEM-TE-VI.

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Na primavera de fumaça no céu e terra enrugada, o bem-te-vi grita alto: bem-que-te-avisei, bem-que-te-avisei.

AS SABEDORIAS DO BEM-TE-VI.

Nesta época do ano o vento de outubro sopra meus ausentes cabelos. Enquanto isso a brisa forte vai construindo carneirinhos com as pálidas nuvens que lá do alto admiram os ipês, a esbanjar flores roxas, amarelas, brancas. Também aqui nos trópicos é primavera. Pois a prova disso é o cheiro de brotos saindo da terra prenhe de vida.

Então as pipas, as pandorgas, as arraias de papel de seda, presas pelos cabos de barbante, vão apascentando o rebanho de nuvens e alegrando os céus com mil cores.

Essa é a primavera das minhas lembranças, dos meus ontems. Porém neste ano tudo é diverso, distinto e diferente.

Olho o firmamento e vejo o sol vestido por uma burca de fumaça. Eis que a lua deu as mãos para as estrelas e sumiram da noite. Mas a única coisa que vem do céu são as lágrimas negras, os picumãs que infectam a cidade envolta na bruma fumarenta.

Ao redor da cidade vejo a terra nua, soprando suas poeiras tristes à espera de umas gotas de água que permitam germinar a floresta de pés de soja.

Aliás, neste ano as flores não desabrocharam e o canto dos pássaros, tão anunciadoras da primavera, secaram nas suas gargantas.

A tristeza povoa meus dias, as esperanças e as minhas ideias. Mas anime-se. Nem tudo são cinzas e chuvas ácidas.

A humanidade continua lambuzando-se do perfume de escapamentos dos carros, enquanto pisoteamos a poeira do asfalto imundo. Seguimos comendo plástico e ingerindo venenos mascarados de legumes e frutas.

À espera das chuvas vamos acendendo a natureza com um palito de fósforos ou um isqueiro vagabundo. Basta R$ 6,50 para incendiar vários hectares e deslumbrar-se com o espetáculo das labaredas. Agora o vento pestilento sopra malditas línguas de fogo, ao invés de poéticos carneirinhos de nuvens.

Enquanto isso, na lembrança das belezas da primavera, eu aproveito para cortar essa árvore chorosa que lambuza minha calçada com suas de folhas, emporcalhando meu mundinho.

Lá no último galho um bem-te-vi começa a assoviar. Mas canta diferente:

Bem-que-te-avisei, bem-que-te-avisei.

Não sei o que está querendo dizer com isso. Só pode estar maluco com a falta de chuvas.


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