INÚTIL ESTAMPIDO.

O desagradável do suicídio é que o corpo nunca tomba numa posição decente; já avisaram!


INÚTIL ESTAMPIDO.

Único estampido; seco, definitivo.

A madrugada da vizinhança despertou, rebolou de lado; dormiu novamente. Acho! O papagaio soltou uma desaprovação, nadicas mais. Tento ouvir o silêncio. Os ouvidos não se concentram.

O que fui fazer?  O que fui não fazer. Ato tantas vezes ensaiado e agora esse corpo inútil, essa prisão, a tremer como criança. Vou apalpar as calças, verificar se não urinei. Não consigo, não chego lá nas virilhas. As mãos sem comando, a tremer. Acredito que isso que sinto seja decepção, nua e vermelha. O sabor do fracasso estaria na boca, tivesse eu como ouvir o paladar.

Preciso pensar, desviar a atenção. Os lazarentos que se suicidaram, nenhum deixou uma descrição de como é isso. Até tentei no centro espírita, contato com algum suicida. Nada.

Agora fica este cheiro de terra na cara, de pólvora no ar. Essa mesma terra que embala o finado; a pólvora que mata o vivente.

O desagradável do suicídio: o corpo nunca tomba numa posição decente, além de que raramente dá certo.

Até rascunhara um epitáfio:

Vivi em cores e contas.

Parti em cinzas.

Solução é levantar, sacudir a poeira e refinanciar o fiado. Ainda hoje, que senão me matam!


Áudio: trabalhos técnicos de Élson Ferreira da Silva – UEL FM.

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