A rua da infância é algo que nos acompanha sempre.
A rua da infância.
Resolvo passar pela rua da minha infância. São quase 600 quilômetros, mas vim. Está muito mudada. A funerária do meio da rua permanece, resistiu, testemunha de décadas. Talvez tenha ajudado a enterrar muitas coisas, além dos finados. A minha antiga casa virou um edifício. O pé de amoras foi oferecido em sacrifício à modernidade da rua.
Percorro os seus metros, em cada pedaço eu debulho uma lembrança. As bolinhas de gude, a rampa do carrinho de rolimãs, a surra que levei do menino vizinho. A rua é só um pacote cheio de lembranças. Estou condenado a não encontrar mais qualquer significado na rua da minha infância, somente reles lembranças de um tempo que não existe.
Mas o que eu vim procurar nesse pedaço de mundo? O que explica esta saudade que sinto da rua que já não é mais a mesma? Busco a mim, vim procurar-me. Claro, não poderia estar aqui. Sei bem onde ando.
O que estou procurando são as possibilidades que existiam então, os sonhos que povoavam este trecho da cidade, na minha cabecinha infantil. Nem as árvores, nem a terra nua permanecem. Não poderiam perdurar os sonhos e as possibilidades. O tempo os comeu, digeriu, transformou. A ação implacável do tempo.
Transformado em quê? Tudo foi transformado em melancolia. É o que explica a saudade que sinto da rua que já não é a mesma. Melancolia, o sentimento que chamaram de a felicidade de ser triste. O tempo transformou tudo, nesta felicidade de ser triste.
Agora coloco um iluminado nos olhos e com eles percorro pela última vez este pedaço da cidade, este fragmento da minha vida. Aqui, nunca mais retorno, levo a rua comigo.
Áudio: trabalhos técnicos de Élson Ferreira da Silva – UEL FM.