CACTUS NO TELHADO

Nem sempre os humanos precisamos ser o centro ou o fim de tudo o que existe na natureza .


Sábado fui ao sítio do amigo buscar umas frutas. Sempre que vou lá, fico xeretando nas orquídeas, nas bromélias. Seu João, sabendo que me interesso pelas flores, às vezes traz uma mudinha de orquídea.

Se tem flor, levo para casa, ponho sobre um móvel e fico curtindo até murchar. Se não está florida, levo para casa da minha mãe, alojo-a na sombra de uma árvore e fico torcendo para sair um botãozinho.

Mas naquele dia o seu João não deu nenhuma plantinha, deu foi uma lição dura. Mesmo sem querer. Ou querendo?

Chamou-me para ir lá no fundo da chácara, ver um milagre sobre o telhado do galinheiro coberto com 4 folhas de fibrocimento. A curiosidade me carregou nos braços até o galinheiro. Havia, sobre as telhas, enraizado nelas, alguns cactos de mais de metro e meio. E crescendo. Não sei vivendo do quê. Caí na besteira de perguntar pra que serviam aqueles cactos ali. Sem flor, sem nada. Correndo o risco de quebrar as telhas.

O velhinho foi cruel. Será que tudo tem que servir pra alguma coisa? Não pode ser simplesmente um cactus vivendo ali? Não pode ser simples e divinamente o milagre da vida? Aqueles cactus teimando em crescer sobre uma folha de telha, não é nada? Aí ele disse, meio baixinho, como se estivesse falando sozinho, decepcionado comigo, que aqueles cactus estavam mostrando o que é que é vontade de viver, de ganhar a vida.

Pronto, satisfeito? Agora tem alguma utilidade.

Lembrei-me das minhas plantas sem flores, largadas embaixo da árvore lá na casa da minha mãe. Olha, me senti mal! É como se eu aproveitasse o que a planta tem de bonito e depois a descartasse. E, bonito no caso, é a flor.

Pensei que estamos sempre fazendo isto com a natureza toda. Falamos em conservar uma planta, um animal, pois ele pode ser a solução para a cura de alguma doença, no futuro. Sempre pensamos na fauna e na flora, na natureza em geral de uma perspectiva instrumental … ou seja, tem que servir pra alguma coisa. E por isto deve ser preservada.

Voltei pensando que as plantas e animais podem ter uma vida própria, independente de servirem ou não servirem aos humanos, que nos julgamos os donos de tudo. O fim de tudo.

É, o seu João, no alto das suas sete décadas de vida ensinou uma lição.

Áudio: trabalhos técnicos de Ricardo Lima

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