Atrapalhou, o ser humano extermina. É nossa resposta mais animalesca.
Sempre amanheço com os passarinhos cantando na árvore em frente de casa. Barulheira geral. Vários cantos, de diferentes pássaros. Mas sábado foi diferente. Acordei às 7 da manhã, com um canto novo e irritante. Assustado, demorei um instante para decifrar o ronco da motosserra. A máquina mordia fundo na carne da árvore. Esta endurecia e a serra gritava mais alto. Uma luta entre a natureza e a tecnologia. A força da máquina parece prevalecer sempre. O funcionário da prefeitura estava decepando os galhos da árvore e depois o tronco. No final sobrou só o toco rente ao solo.
Fui saber. O motivo é a briga da calçada com as raízes. Alguém plantou uma espécie de árvore que não serve pra calçada. Que também é coisa inventada pelo homem. Já ia perguntar o nome da árvore. Parei. Lembrei do costume indígena de não mais se mencionar o nome dos mortos para não aprisionar o seu espírito. Olhei aquele amontoado de madeira e decidi que devia deixar o espírito da ex-árvore em paz. Agora já é lenha. Voltei pra cozinha fazer um café e tentar substituir o amargo que sentia na boca.
A fumaça do café ia dançando em frente aos meus pensamentos na manhã gelada e me ocorreu que no quarteirão todo já dá pra contar as árvores nos dedos de uma das mãos. A sombra vai fazer falta no verão. O canto dos pássaros vai fazer falta na primavera. A ausência do tapete de folhas pelo chão vai mascarar o outono e a primavera vai ressentir-se no silêncio dos passarinhos.
Pode ser esquisitice minha, mas não dava pra mudar a calçada? Fazer a tal da calçada ecológica? Ou mesmo consertar a calçada a cada dois anos? Já que tivemos inteligência pra fazer a motosserra, não podemos usar a mesma capacidade pra resolver isso sem massacrar a árvore?
Enquanto penso isto vou cavando o chão pra plantar outra árvore no lugar. Em uns cinco anos estará igual à finada. E aí talvez venha um funcionário abater a nova árvore e junto com ela, mais um tanto da minha esperança no bicho homem.