É muito comum amigos estarem em dificuldades. Também é comum nos afastarmos deles. Isso tem motivo?
PURO AZAR.
Tenho um amigo que está naquilo que chamamos de “morre, não morre”. E já se vão meses neste vai não vai. A questão é que não consegui, neste tempo todo, ir até lá vê-lo. Não porque não tenha tido tempo. Só por um único motivo, não consigo ir.
Falando com amigos sobre este bloqueio, descobri que não estou sozinho nisso, não. Vários não foram. E ninguém sabe explicar o porque desta falta grave.
Aí me dei conta de que realmente fugimos de quem está doente, separando, falindo. Ou seja, quando o amigo está em má situação, se podemos, “saímos fora”, como se diz. Não é assim mesmo? Você gosta de ir visitar os seus amigos que estão em dificuldade?
Estive pensando sobre este comportamento estranho que muitos de nós temos. Exatamente na hora que deveríamos estar mais perto, nos afastamos. Parece que temos medo. Mas medo do quê? Se o amigo está falindo, ainda poderíamos dizer que é medo de ter que emprestar-lhe algum. Ou que haveria o risco de contaminar-nos com sua doença. Ou de ter que ficar com a mulher estressada dele. Mas normalmente estes riscos não existem. E então, o que nos afasta?
Sabe o que me vem à memória agora? Aquela situação bíblica de que quem não tem filhos é porque foi amaldiçoado por Deus, conforme está no Antigo Testamento. Ou de que Jesus cura as doenças dizendo: teus pecados te são perdoados. Será que isto ainda está impresso em nós? Ou seja, quem está em dificuldades está amaldiçoado, pagando pelos seus pecados. Ou poderíamos afirmar, de um modo menos religioso, que o cara está com azar. É, isto é mais fácil de engolir.
Está aí, talvez seja por isto que evitamos estas situações. Sabemos que o amigo está numa maré de azar e temos o azar como algo contagioso. Assim como não gostamos de ficar perto de quem está triste, para não se contaminar com seu sentimento. Preferimos a convivência de pessoas alegres, felizes, bem humoradas.
Desta forma, o amigo que precisa de nosso apoio naquele momento difícil, não nos terá por perto pela simples crença de que seu azar é contagioso.
Ou será que é algo mais que isto. Será que é porque o fato do meu amigo estar morrendo me lembra que eu também estou neste caminho, rumo ao dia fatídico. O amigo moribundo faz com que a minha situação de mortalidade, esta sensação de finitude apareça diante dos meus olhos. Faz com que, diante da desgraça, diante da morte, eu tenha que pensar na vida, repensar minha vida, meu modo de viver, minha relação comigo mesmo e com você, com todos os que encontro.
Aí, talvez não seja só o medo do contágio do azar, mas o medo de mim mesmo.
Quer saber, vou lá visitar o companheiro, que isto está ficando mais doído que a visita.